
E, contudo, amo uma luz, uma voz, um perfume, um alimento, um abraço, quando amo meu Deus, luz, voz, perfume, alimento e abraço do homem interior, onde brilha para a minha alma uma luz que nenhum espaço contém, onde ressoa uma voz que o tempo não arrebata, onde se exala um perfume que o vento não esparge, onde se saboreia uma comida que a sofreguidão não diminui, onde se sente um contato que a saciedade não desfaz.
Eis o que amo, quando amo meu Deus, Mas, o que significa isso? Disse a todos os seres que me rodeiam às portas da cerne: falai-me de meu Deus, se sois vós, dizei-me ao menos alguma coisa d'Ele. E elas exclamaram com alarido: "Foi Ele quem nos criou. Não somos nós o teu Deus. Busca-O acima de nós!" Dirigi-me, então, a mim mesmo; a ti, minh'alma, que certamente és superior ao teu corpo, porque o vivificas. Mas também para ti, a vida da tua vida é o teu Deus.
Que amo então quando amo o meu Deus? Quem é tu que estás acima de minh'alma? E onde habitas, ó Senhor? Pois me lembro de Ti desde o dia que Te conheci, e lá Te encontro toda vez que me lembro de Ti.
Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Te amei! Eis que habitavas dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Te. Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criaste. Estavas comigo, e eu não estava contigo! Chamaste-me com uma voz tão forte que rompeste a minha surdez. Brilhastes, cintilaste e logo afugentaste a minha cegueira. Exalaste perfume: respirei-o suspirando por Ti, Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de Ti. Tu me tocaste e ardi de desejo da Tua paz".
Agostinho de Hipona (Confissões de Agostinho)